Sigmund Freud traz um entendimento de que resolver o luto é voltar a amar. Essa dinâmica, portanto, indica que quem não se abre para um novo amor após a morte do parceiro ou da parceira ainda não completou seu luto.
Veremos neste breve estudo, em duas partes, que isso não é tão simples e nem automático, além de ser um movimento interno cheio de descontinuidades colocando, por isso, uma dificuldade para se compreender a dinâmica do luto, sendo que, ainda tem as particularidades de cada caso. Abordaremos, também aspectos importantes a serem considerados para quem se relaciona amorosamente com uma pessoa em estado de viuvez (estado que, tecnicamente, deveria desaparecer com o início do novo relacionamento).
O ideal seria “sepultar a pessoa que faleceu, aceitar e reconhecer a realidade da morte de quem amava e seguir”, porém, variando de indivíduo para indivíduo, os movimentos são diferentes, incluindo temporalidades diversas, portanto, é uma dinâmica complexa.
A viuvez pode ser encarada por muitos ângulos, porém, guarda em todos, alguns aspectos comuns. Se analisarmos o que significou a morte da esposa do profeta Ezequiel, por exemplo, no contexto bíblico, encontraremos conteúdos que incentivam elaborações muito ricas, retomaremos isso depois, porém, aqui olharemos para o novo relacionamento conjugal após a morte de parceira ou parceiro.
O que se busca num relacionamento a dois é a presença. Presença é efetividade, é disposição para fazer trocas, interagir. Essa ideia de que tudo é mundo interno tem pouca validade num relacionamento amoroso. É preciso estar concretamente presente e disponível.
Faz-se necessário considerar as tipologias de casal, as ansiedades e angústias presentes no relacionamento de cada casal especificamente, porque ambos parceiros têm suas necessidades afetivas e quando um ainda está mais tempo recolhido no seu mundo interno para elaborar a morte do companheiro ou companheira anterior, a capacidade de presença fica muito afetada. Obviamente, como veremos na outra parte deste estudo, quando o novo parceiro ou parceira tem que se colocar em segundo plano para que o relacionamento prossiga, isso terá pouca duração porque todo relacionamento se baseia na dinâmica do equilíbrio entre o dar e o receber.
A escolha do parceiro ou parceira também é influenciada profundamente por mecanismos internos de projeções, expectativas e elaborações. Imagine os desconfortos de quem entra num relacionamento novo para, sem o saber, substituir alguém ausente… imagine, também, o sofrimento de quem, para que o relacionamento continue, tenha que se despersonalizar e renunciar ao imediato desfrute da vida a dois…
O quanto é pesado o papel de representar o morto que gerou a viuvez só pode ser sentido por quem, sem se dar conta, foi fazendo pactos na relação para se moldar a uma espécie de “vale a pena ver de novo” algo do que nunca fez parte da sua própria realidade. A continuidade de um filme com atores diferentes para o mesmo papel exige muito da criatividade que na vida real é algo impraticável sem gerar inúmeros ferimentos emocionais.
Existem impossibilidades nos relacionamentos em que a pessoa apenas tem um papel de substituto e falta um projeto de vida a dois. Impossível também quando um tem que abrir mão de si e de seus desejos e planos para satisfazer as vontades intermináveis e crescentes do outro, uma espécie de projeção da imagem do morto no parceiro atual e uma doentia exigência de que este “deixe de ser quem verdadeiramente é” para atender aos roteiros impostos pela pessoa que ainda não se despediu de quem, embora tão amado, já faleceu.
Essas impossibilidades somente são superadas quando quem é viúvo ou viúva conquista, por esforço, a compreensão do quanto a força do amor a quem faleceu pode ser transmutada ao fazer uma despedida de alma da pessoa amada, dá um lugar especial a ela no coração e abre um olhar mais amplo para a pessoa que chega para uma nova história de amor, um novo projeto e uma nova energia de vida! Essa dinâmica impulsiona para o mais, para o amplo, para a vida! (Aluísio Alves: Psicanalista, Terapeuta Sistêmico, Pós-Doutorando em Educação, Doutor em Educação Médica, Hipnose Clínica, Mentoria de Líderes e Equipes).